domingo, fevereiro 03, 2008

Somos animais morais?

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Por Valmir Milomem


Acabo de ler um texto na Folha de São Paulo escrito por Hélio Schwartsman, com o título “Animais morais”. O editoralista da Folha defende a tese exposta por Marc Hauser no livro “Moral Minds” (mentes morais), no qual este biólogo de Harvard apresenta um modelo como desenvolvemos um senso universal do certo e do errado.

Em síntese, Schwartsman argumenta que a faculdade moral do homem é um instinto. A base da ética do ser humano, portanto, são os impulsos nervosos.
Como arremate ele escreve:

Para além da riqueza de dados e novas perspectivas, “Moral Minds” oferece farta munição para destruirmos algumas “idées reçues” (idéias recebidas) renitentes. Uma falsa crença com a qual sempre me vejo às voltas quando incorro em textos ateus é a de que a religião é a fonte do comportamento moral das pessoas. Besteira. Como Hauser mostra de forma muito competente, a moralidade é tributária de um instinto que se consolidou no homem muitos milênios antes do primeiro padre celebrar a primeira missa. O que a religião fez, além da tentativa de usurpar para si a ética, foi despi-la de seus parâmetros variáveis e congelá-la no tempo, proclamando-a una e eterna. A menos que imaginemos um Deus racista, que faça questão de condenar todos os fores, de Papua-Nova Guiné, (canibais) e todos os faraós ptolomaicos (incestuosos), entre muitos outros povos e grupos que violam comandos bíblicos, temos de concluir que a moral é assunto complicado demais para ficar apenas nas mãos de religiosos.


Hélio Schwartsman é uma espécie de André Petry da Folha. Ele não gosta de religião, muito menos de religiosos. Portanto, suas declarações têm como pano de fundo a ideologia anti-teísta. Para ele Deus não existe e a religião está no mesmo patamar que a para-normalidade, as drogas e o sexo: diversão legítima para os apreciadores.
Voltemos ao tema.

A idéia de que a moral é somente um instinto já havia sido albergada anteriormente por Friedrich Nietzsche:

“Em toda a parte onde encontramos uma moral encontramos uma avaliação e uma classificação hierárquica dos instintos e dos actos humanos. Essas classificações e essas avaliações são sempre a expressão das necessidades de uma comunidade, de um rebanho: é aquilo que aproveita ao rebanho, aquilo que lhe é útil em primeiro lugar - e em segundo e em terceiro -, que serve também de medida suprema do valor de qualquer indivíduo. A moral ensina a este a ser função do rebanho, a só atribuir valor em função deste rebanho. Variando muito as condições de conservação de uma comunidade para outra, daí resultam morais muito diferentes; e, se considerarmos todas as transformações essenciais que os rebanhos e as comunidades, os Estados e as sociedades são ainda chamados a sofrer, pode-se profetizar que haverá ainda morais muito divergentes. A moralidade é o instinto gregário no indivíduo.” (Friedrich Nietzsche, in ‘A Gaia Ciência’)

Esse pensamento é eminentemente naturalista. Fruto da idéia Darwinista. A intenção, óbvia, é tirar Deus do cenário. Assim, se Deus não existe, tudo é permitido. Nesse diapasão de pensamento, não existe uma moral absoluta. Não existe um Sábio Legislador. A moral é resultado do próprio homem.

Sem querer alongar muito nesse tema, mas o fato é que em poucos parágrafos C. S. Lewis jogou em terra essa genial idéia de que a moralidade é instintiva. Nas obras “Abolição do homem” e “Cristianismo puro e simples” Lewis desenvolve com maestria o pensamento segundo o qual existe uma Lei Moral absoluta dentro de cada ser humano.

“Certas pessoas, por exemplo, me escreveram perguntando: “Isso que você chama de Lei Moral não é simplesmente o nosso instinto gregário? Será que ele não desenvolveu como todos os nossos outros instintos? Não vou negar que possuímos esse instinto, mas não é a ele que me refiro quando falo em Lei Moral. Todos nós sabemos o que é ser movido pelo instinto - pelo amor materno, pelo instinto sexual ou o instinto da alimentação: sentimos o forte desejo ou impulso de agir de determinada maneira. E é claro que, às vezes sentimos o desejo de intenso de ajudar outra pessoa. Isso se deve, sem dúvida, ao instinto gregário. No entanto, sentir o desejo intenso de ajudar é bem diferente de sentir a obrigação imperiosa de ajudar, que o queiramos, quer não. Suponhamos que você ouça o grito de socorro de um homem em perigo. Provavelmente você sentirá dois desejos: o de prestar socorro (que se deve ao instinto gregário) e o de fugir do perigo (que se deve ao instinto de auto-preservação). Mas você encontrará dentro de si, além desses dois impulsos, um terceiro elemento, que lhe mandará seguir o impulso da ajuda e suprimir o impulso da fuga. Esse elemento, que põe na balança os dois instintos e decide qual deles deve ser seguido, não pode ser nenhum dos dois. Você poderia pensar também que a partitura musical, que lhe manda, num determinado momento, tocar tal nota no piano e não outra, é equivalente a uma das notas do teclado. A Lei Moral nos informa da melodia a ser tocada; nossos instintos são meras teclas”.

‘Há outra maneira de perceber que a Lei Moral não é simplesmente um dos nossos instintos. Se existe um conflito entre os dois, e na mente dessa criatura, não há mais nada além desses instintos, é óbvio que o instinto mais forte deve prevalecer. Porém, nos momentos em que enxergamos a Lei Moral com maior clareza ela geralmente nos aconselha a escolher o impulso mais fraco. Provavelmente, seu desejo de ficar a salvo é maior do que o desejo de ajudar o homem que se afoga, mas a Lei Moral lhe manda ajudá-lo, apesar dos pesares. E, em geral, ela nos manda tomar o impulso correto e tentar torná-lo mais forte do que originalmente era - não é verdade? Ou seja, sentimos que temos o dever de estimular nosso instinto gregário, por exemplo, despertando a imaginação e estimulando a piedade, entre outras coisas, para termos força para agir corretamente na hora certa. E, evidente, porém, que, no momento em que decidimos tornar mais forte um instinto, nossa ação não é instintiva. Aquilo que lhe diz: “Seu instinto está adormecido está adormecido, desperte-o”, não pode ser o próprio instinto. O que lhe manda tocar tal nota no piano não pode ser a própria nota”.

“Há ainda uma terceira maneira de ver a Lei Moral. Se ela fosse um de nossos instintos, seríamos capazes de identificar dentro de nós um impulso que sempre pudéssemos chamar de “bom” segundo a regra da boa conduta. Mas isso não acontece. Não existe nenhum impulso que às vezes a Lei Moral não nos aconselhe a inibir, nem outro que ela não nos encoraje a praticar de vez em quando. É um erro achar que alguns de nossos impulsos, como o amor materno e o patriotismo, são bons, e outros, como o instinto sexual e a agressividade, são maus. Tudo o que queremos dizer é que existem mais situações em que o instinto de luta e o desejo sexual devem ser contidos do que situações em que devemos conter o amor materno e o patriotismo. No entanto, em certas ocasiões, é dever do homem casado encorajar seu impulso sexual, e do soldado fomentar sua agressividade. Existem também oportunidades em que a mãe deve refrear o amor pelo filho, ou o homem deve conter o amor por seu país, para que não cometam injustiças contra outras crianças ou outros países. A rigor, não existem impulsos bons ou impulso maus. Voltemos ao piano. Não há nele dois tipos de notas, as “certas” e as “erradas”. Cada uma das notas é certa para uma determinada ocasião e errada para outra. A Lei Moral não é um instinto particular ou um conjunto de instintos; é como um maestro que, regendo os instintos, define a melodia que chamamos de bondade ou de boa conduta”. (Cristianismo Puro e simples).

C. S. Lewis é realmente formidável.

Apenas como adendo, é importante mencionar que a aquilo que Lewis chama de Lei Moral e a luta entre os instintos já havia sido mencionado por Paulo:
“Eu não entendo o que faço, pois não faço o que gostaria de fazer. Pelo contrário, faço justamente aquilo que odeio. Se faço o que não quero, isso prova que reconheço que a lei diz o que é certo. E isso mostra que, de fato, já não sou eu quem faz isso, mas o pecado que vive em mim é que faz. Pois eu sei que aquilo que é bom não vive em mim, isto é, na minha natureza humana. Porque, mesmo tendo dentro de mim a vontade de fazer o bem, eu não consigo fazê-lo. Pois não faço o bem que quero, mas justamente o mal que não quero fazer é que eu faço. Mas, se faço o que não quero, já não sou eu quem faz isso, mas o pecado que vive em mim é que faz. Assim eu sei que o que acontece comigo é isto: Quando quero fazer o que é bom, só consigo fazer o que é mau. Dentro de mim eu sei que gosto da lei de Deus. Mas vejo uma lei diferente agindo naquilo que faço, uma lei que luta contra aquela que a minha mente aprova. Ela me torna prisioneiro da lei do pecado que age no meu corpo. Como sou infeliz! Quem me livrará deste corpo que me leva para a morte? Que Deus seja louvado, pois ele fará isso por meio do nosso Senhor Jesus Cristo! Portanto, esta é a minha situação: No meu pensamento eu sirvo à lei de Deus, mas na prática sirvo à lei do pecado.” Romanos 7:15-25

Portanto, tenho que concluir, a moral é assunto complicado demais para ficar apenas nas mãos dos anti-teístas.

Autor: Valmir Milomen
Blog: Como viveremos
http://comoviveremos.com


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