segunda-feira, junho 09, 2014

"O menino e o homem" (um poema)

Por André Quirino

O menino nasce chorando e se torna humano quando pela primeira vez sorri
De tão ingênuo, continua sorrindo, acredita em futuro, confia no que o vê
Ele chora quando o presente não anda, quando quem cuida não vem
Quer a pressa, a calma da pressa dos dias em que há companhia
Crê em distância, e que ao fim dela há alguém em presença

O homem nasce quando o menino sabe não sorrir e sabe não chorar
De tão maduro, não chora nem ri, não crê em futuro, não confia no que não é si
Tem tantas rugas quanto as perdas que sofreu - a formosura é já uma futilidade
Mas guarda secretamente a crença de que é capaz de passar pela vida
E a única certeza apodítica é - tudo que sabe que lembra - o passado

O menino crê no homem, o homem só crê no menino
Meninos se tornam homens que geram meninos que se tornam homens
Vez ou outra, por lapso da vida, os olhos do homem se cruzam com os do menino
O menino, ao fardo que o aguarda, chora; o homem, à doçura que foi um dia, sorri

Todo adulto sofre de ateísmo crônico, mas nenhum pode escapar às dores de parto
desta dança que um dia explodirá
e nos espalhará pelo céu

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