terça-feira, agosto 03, 2010

Amor do Pai nos torna responsáveis uns pelos outros




“E disse o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão?

E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão?” (Gênesis 4.9)


Renato Collyer


Sempre fui apaixonado por água. Quando criança, todos os finais de semana minha família e eu íamos a um clube que tinha uma enorme piscina. Eu ficava fascinado com o tamanho do escorregador que, depois de inúmeras voltas, concedia mais brilho à brincadeira ao finalizar com um lindo mergulho na água.

Lembro-me que me divertia bastante, mas meu irmão, nem tanto. Ele tinha a árdua tarefa de tomar conta de mim. Ele me protegia. Ou pelo menos deveria. Minha mãe se deslocava à beira da piscina de vez em quando para ter certeza de que tudo estava seguindo o curso da normalidade.

Graças a Deus, nunca aconteceu nenhum acidente comigo na piscina. Mesmo sendo pequeno, eu tinha confiança que meu irmão mais velho estava lá para me proteger. Eu compreendia o significado de ser responsável pelos outros. Somente o amor é capaz de fazer isso.

Não estou me referindo ao amor entre irmãos de sangue. Não se trata somente disso.

Mesmo Caim sendo irmão de Abel, aquele não pensou duas vezes em matá-lo por causa da fúria que tomara seu coração. Ele sentiu uma profunda inveja de seu irmão e o matou por pensar que Deus o amava mais.

Certa ocasião, Jesus estava falando à multidão, e alguém o avisou que Maria, sua mãe, e seus irmãos estavam também ali e gostariam de falar com ele. Jesus, no entanto, respondeu: “Quem é minha mãe? E quem são meus irmãos?” (Mateus 12.48).

É bem provável que algumas pessoas tenham ficado confusas com essa declaração. Mas, logo em seguida, Jesus completou, apontando para todos que estavam ouvindo suas palavras: “Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe”.

Jesus não rejeitou sua família, mas expandiu o círculo para incluir relacionamentos espirituais. Ele nos dá uma verdadeira lição de um amor responsável pelos outros. Nós somos responsáveis pela maneira como tratamos nossos irmãos e irmãs.

Toda humanidade procede do mesmo sangue. O apóstolo Paulo disse aos atenienses que “de um só sangue [Deus] fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação” (Atos 17.26). Não seria mais do que justo que todos vivêssemos em perfeita harmonia?

A vida humana é uma criação divina única. O homem é a excelência da criação do Pai, por isso deve ser profundamente respeitado. A vida é sagrada. “Certamente requererei o vosso sangue, o sangue das vossas vidas; da mão de todo o animal o requererei; como também da mão do homem, e da mão do irmão de cada um requererei a vida do homem. Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem” (Gênesis 9.5-6). Somente Deus tem o direito de tirar a vida, pois ele a concede.

Esse amor que nos torna responsáveis pelos outros é capaz de romper as barreiras. Conheço algumas pessoas que exercem algum tipo de trabalho beneficente. Elas estão preocupadas com seu próximo, mesmo que esse próximo nem a conheça. O próximo não é somente aquele que convive com você, ou que faz coisas que lhe deixam feliz.

Jesus demonstrava uma preocupação social em sua maneira de agir e de tratar as pessoas. A caminhada cristã pressupõe profunda preocupação pelos que são marginalizados pela sociedade, pelos que passam fome, pelos que estão presos ou que não tem lugar para morar. Nossas atitudes devem demonstrar o amor que Jesus tinha por essas pessoas.

Algumas pessoas vivem em um mundo ideal. Elas criam verdadeiras paredes que as separam das demais que não possuem igual estabilidade financeira. Para essas pessoas, o cristianismo é apenas mais uma bandeira que ostentam. Para elas, a igreja se tornou um clube social, um lugar para rever seus amigos e combinar certas atividades. Elas não conseguem entender que a preocupação social não pode ser desassociada à vida cristã. “Ao Senhor empresta o que se compadece do pobre, ele lhe pagará o seu benefício” (Provérbios 19.17).

Jesus nos ensina que somos julgados por Deus pela forma como tratamos os famintos, os que não tem um lar, os pobres, presos e doentes. “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mateus 25.35-40). Como você tem tratado essas pessoas?

Jesus iguala o tratamento que damos a essas pessoas ao tratamento que damos a ele. Se tratarmos mal essas pessoas, também o estaremos desprezando. O que fazemos por eles, faremos por Cristo. A vida cristã não é apenas um empreendimento espiritual. Nossa missão é servir à humanidade. Mesmo que não tenhamos condições de ajudar a todos, devemos fazer a nossa parte.

Quando não conseguimos cuidar das necessidades sociais, falhamos em dar o devido valor aos outros, diminuindo nosso próprio mérito aos olhos do Pai. O apóstolo Tiago escreveu, em poucas linhas, um verdadeiro tratado de solidariedade: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser. Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso? Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tiago 2.14-17).

Jamais devemos valorar as pessoas devido à raça, riqueza, classe social ou à educação acadêmica que possuem. Diante de Deus, todas as pessoas são valiosas. Para o Pai, até o menor entre os homens é significativo.

Perante à cruz, somos iguais em nossa necessidade de aceitar o dom da salvação de Cristo. Devemos honrar e respeitar as pessoas sem dar atenção à sua posição social ou cor. Todos fazemos parte de um mesmo corpo. Todos contribuem para o bem desse corpo.

Por menor que seja o dedinho do pé, quando o batemos ou cortamos, todo o corpo sente, não é mesmo? Fica até difícil nos locomovermos quando o machucamos. Mesmo tão pequeno, o dedinho faz parte do corpo e é importante para seu pleno funcionamento. “Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também” (1 Coríntios 12.12).

Jesus morreu por todas as pessoas e não por uma em especial. Ele morreu por todos nós e não para salvar uma raça ou um grupo social específico. Considerar uma raça ou um indivíduo menos importante é pecado, porque a salvação é para todos quanto crerem. Quem somos nós para dizer quem são os mais valiosos?

O Apartheid

No ano de 1948, a população negra da África do Sul se viu obrigada a conviver com o terror de um racismo politicamente estabelecido. O apartheid foi estabelecido pelo Partido dos Nacionalistas, que bloqueou a política integracionalista após ter chegado ao poder. Esse partido representava unicamente os interesses da pequena elite branca.

O sistema de segregação racial atingiu seu auge em 1948, com a classificação juridicamente codificada da população de acordo com o grupo social que pertenciam: brancos ou negros.

A segregação atingiu níveis extraordinários. Casamentos entre brancos e negros foram proibidos. Os negros não podiam sequer ocupar o mesmo transporte coletivo usado pelos brancos, bem como não podiam residir no mesmo bairro e realizar o mesmo trabalho deles.

A minoria branca passou a controlar cerca de 87% do território do país. O restante poderia ser ocupado pelos negros (territórios independentes sem qualquer riqueza natural).

O governo sul-africano passou a ser definido como uma ditadura da raça branca. Na década de 1970, o governo tentou encontrar fórmulas para assegurar a legitimidade internacional do regime, porém, organizações como a Organização das Nações Unidas e a Organização da Unidade Africana votaram diversas resoluções contra.

Após inúmeras revoltas e devido às pressões internacionais, em 1989, Frederic W. de Klerk assume a presidência do país, conduzindo o regime sul-africano a uma mudança que põe fim ao apartheid. No ano de 1990, o líder negro Nelson Mandela, cumprindo pena de prisão perpétua desde 1964, é posto em liberdade.

Mandela é eleito presidente da África do Sul nas primeiras eleições livres de 1993 e governa de 1994 a 1999.

Quem somos nós para dizer quem são os mais valiosos?


Renato Collyer
(link do post na ABC: http://ablogsx.ning.com/profiles/blogs/o-amor-do-pai-nos-torna)

PRIMEIRO TEXTO (JULHO/2010)

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